Os Escoteiros e a Revolução de 1932

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

            Durante os dias da revolução, o espírito paulista se fez presente em vários pontos do nosso estado e os escoteiros prestaram os mais diversos serviços de apoio à causa revolucionária e aos combatentes, sendo assinalados principalmente pela atuação em duas grandes colunas de atuação: a “Cruzada de Escoteiros Pró-Revolução” e o apoio a Cruz Vermelha pelo núcleo “Escoteiros de São Paulo” que passou a denominar-se oficialmente em 23 de setembro de 1932 conforme registro no Diário Oficial do Estado “Boy Scouts Paulistas” (atual 1º/SP Grupo Escoteiro São Paulo), cuja participação é relatada em um pequeno livro em formato de relatório apresentado no ano seguinte.

            Após a Revolução de 1924, o escotismo paulista passou por um grande período de indefinições com o afastamento dos conselheiros e diretores da Associação Brasileira de Escoteiros, maior entidade nacional de escotismo na época, e o rumo tomado foi a estatização de parte do método de Baden-Powell através do ensino oficial no estado de São Paulo que perdurou até o final dos anos de 1930.

            Com o início da Revolução Constitucionalista, os escoteiros da terra bandeirante não fugiram do compromisso de contribuir novamente com a população e as autoridades prestando seus serviços nos momentos conturbados, como outrora na grande epidemia da gripe espanhola em 1918, na Revolução de 1924 e recentemente na Revolução de 1930 onde foi criada a primeira “Cruzada de Escoteiros”. Nos meses da Revolução de 32, os escoteiros se uniram e formaram novamente o contingente da “Cruzada” e serviram em todas as cidades paulistas em que houvesse uma unidade escoteira exercendo os serviços de estafetas entre os postos de correios e telégrafos atuando nos quartéis revolucionários, auxílio ao correio militar, plantão nas estações e emissoras de rádios, hospitais, aeroportos, estações ferroviárias, fábricas improvisadas de armamentos e equipamentos militares e confecção de uniformes, transporte de refeições, além do encaminhamento de medicamentos e aviamentos, também era serviço dos escoteiros a arrecadação de jornais que eram enviados para os soldados no front. As fanfarras de escoteiros também eram requisitadas pelos comandantes militares para acompanhar na marcha dos combatentes para o embarque das tropas revolucionárias para o front, e muitos núcleos atuaram no serviço de guarda na capital paulista.

            Na organização da Cruzada, a sede central dos escoteiros ficou instalada no Grupo Escolar Miss Browne, na Rua do Carmo, 68 como um departamento de serviço auxiliar de guerra e mais cinco postos escoteiros: Posto da A.B.E. – Rua do Carmo, 26; Posto da Federação Paulista de Escoteiros (filiada a A.B.E.) – Praça da Sé, 82; Posto da Federação de Escoteiros do Estado de São Paulo, na Rua Senador Feijó, 40; Posto da Tribo Piratininga, na Rua Libero Badaró, 40 sede do Centro do Professorado Paulista; Posto do Conselho Estadual da Federação dos Escoteiros Católicos – Rua São Bento, 47. O Prof. Horácio Silveira da A.B.E. foi designado o Diretor Geral da Cruzada de Escoteiros Pró-Revolução, já que o Presidente Hilário Freire se licenciou para organizar a “Brigada do Sul” de combatentes. Os escoteiros começaram a se alistar e já nos primeiros dias contavam mais de 500 jovens que foram distribuídos nos 78 postos civis e militares de atuação da campanha constitucionalista.

            O primeiro compromisso da Cruzada foi a realização de um desfile cívico para saudar os combatentes e homenagear os escoteiros que irão para o front norte com a Cruz Vermelha nas ruas centrais da capital no dia 20 de julho e visita as redações dos jornais paulistanos. O desfile contou com escoteiros da Associação Brasileira de Escoteiros, Federação de Escoteiros do Estado de São Paulo, Federação Paulista de Escoteiros, Conselho Estadual da Federação dos Escoteiros Católicos do Brasil, Escoteiros Russos, Escoteiros Armênios, Escoteiros Letos, Federação de Escoteiros Paulistas e Pioneiros Paulistas que foram acompanhados por uma banda da Guarda Civil e prestaram a saudação escoteira ao Governador aclamado do Estado, Dr. Pedro Manuel de Toledo no Palácio dos Campos Elíseos.

            Os pequenos soldados da revolução, já no dia seguinte começaram a realizar os trabalhos onde quer que fossem necessários, sejam a pé, bicicleta ou bonde, os escoteiros se mobilizaram conquistando a simpatia e o respeito da população, e foram iniciados no dia 25 de julho os primeiros cursos de enfermagem e a instalação de um posto de Pronto Socorro com 40 leitos na sede central que era dirigido pelo Dr. Emilio V. Credidio, que formou o Corpo de Saúde da Cruzada dos Escoteiros. Em 02 de agosto, a Cruzada envia 30 escoteiros para atuarem como estafetas no front sul, nas cidades de Itaporanga, Ourinhos, Piraju e Bernardino de Campos e posteriormente segue uma turma de escoteiros que concluiu o curso de enfermagem para auxiliar o comando militar nesta mesma região do estado.

            Os escoteiros alistados na Cruzada recebiam um cartão de identificação próprio e também passes livres nos bondes. No interior do estado também há registros dos escoteiros realizando campanhas para angariar metais velhos para a fundição de material bélico, além de materiais e equipamentos de sapa (pás, picaretas, cavadeiras, machados, etc.) para a entrega as tropas em combate, além dos serviços de estafetas e apoio as instituições que patrocinavam a revolução. Num pequeno livro escrito por Antonio Rubião Silva Junior em 1989, “O Escoteiro – Sarandi” narra os principais acontecimentos vivenciados pelo autor enquanto escoteiro nos meses da Revolução Constitucionalista.

            Esses serviços foram exercidos na área urbana dos municípios, enquanto que os “boys scouts paulistas” da associação “Escoteiros de São Paulo” atuaram juntamente com a Cruz Vermelha no socorro aos feridos no front norte da batalha na região do Vale do Paraíba, com a implantação de hospitais de sangue, transporte e remoção de feridos e como motoristas das ambulâncias, Os trabalhos no “front” foram dirigidos por João Mós, Chefe Geral e Jimmy C. Macyntire, Chefe da 1ª Tropa Inglesa (atual 2º/SP Grupo Escoteiro Carajás) que organizaram os “Rovers” sendo reconhecidos pelo próprio fundador do escotismo Baden-Powell com uma carta de elogios. Os Boys Scouts também contribuíram com os escoteiros menores servindo na Associação Comercial de São Paulo e também na “Campanha do Ouro para a Vitória”, sob a direção do Sr. Armando Lorena, Presidente da entidade e auxiliado por Rodolfo Malempré. A narrativa dos feitos está descrita no livro de autoria de João Mós publicada em 1933 sob o título: “Boys Scouts Paulistas na Revolução de São Paulo – Julho a Outubro de 1932”.

            Mesmo assim, terminada a revolução houve o registro de algumas mortes de escoteiros, mas a história nos revela o nome de três valentes escoteiros: João Gama Junior, da capital,  Aniz Abdala e Aldo Chioratto, ambos de Campinas. Sobre João Gama Junior, temos o relato que pertencia a Tribu “Paes Leme” e era escoteiro-estafeta no Mercado Novo que quando em serviço, ao descer de um bonde elétrico, perdeu o equilíbrio e sofreu a fratura de uma das suas pernas. Após ser socorrido em um hospital onde teve de amputar a perna ferida e não resistindo a essa operação veio a falecer as duas horas da madrugada do dia 17 de outubro. Mas antes desse desenlace fatal, demonstrou a todos uma forte vontade e, sobretudo deu clara e concisa prova de valor a sua unidade escoteira, pois mostrou-se calmo no infortúnio e no auge da febre que o dominava e com os lábios ressequidos, num último esforço pronunciou estas palavras: “Alerta, Paes Leme!”.

            Em Campinas mais dois abnegados escoteiros deram a vida em prol da luta paulista pela nova constituição federal: Aniz Abadala que de forma semelhante ao escoteiro Gama e apossado dessa chama de amor a sua unidade escoteira, lembra de apelar ao seu pai que “Dê à Associação uma bandeira nacional”. De todos os escoteiros que tombaram, a história de Aldo Chioratto é a mais conhecida, pois seus restos mortais repousam hoje no Mausoléu Constitucionalista, sendo a única criança a receber esta homenagem. O escoteiro-estafeta Aldo Chioratto era da “Associação de Escoteiros Ubirajara” e tinha 10 anos de idade e foi escolhido como mensageiro do Coronel Mário Rangel no quartel em Campinas por ter grande estima dos oficiais militares e simpatia. Na manhã de 18 de setembro, enquanto entregava as correspondências, foi atingido pelos estilhaços de uma bomba lançada pela aviação federal próximo as estações ferroviárias das Companhias Mogiana e Paulista, no centro de Campinas e faleceu com o seu bornal de estafeta no cumprimento do dever com treze perfurações em seu frágil corpo, personificando o 2º artigo da Lei: O Escoteiro é Leal, foi leal no cumprimento dos seus deveres e aos princípios, mesmo que isso lhe custasse a própria vida. Desses breves relatos, encontramos a tradução reveladora do espírito escoteiro de cumprimento da Promessa, onde há lição de estoicismo, de entusiasmo e apoio.

            O encerramento dos trabalhos da Cruzada de Escoteiros Pró-Revolução foi determinado oficialmente no dia 9 de outubro em reunião com os diretores das associações e federações que compuserem o serviço auxiliar da revolução. A assembleia foi realizada na Travessa das Flores, nº 1 as 15h00 e ficou decidido que os escoteiros e suas agremiações continuariam a atender e prestar os serviços as instituições de caridade e postos de saúde que necessitarem ainda de ajuda dos pequenos soldados, principalmente dos retirantes.

            Os “Boys Scouts Paulistas conferiram aos participantes da campanha o “Diploma de Serviços de Guerra” e os distintivos de serviço em metal nas duas categorias: os que serviram na capital paulista e os que serviram no front de batalha. A solenidade em que foram entregues as distinções ocorreu em 15 de novembro de 1932 no salão do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo perante aos familiares e autoridades, encerrando definitivamente seus serviços nesta data.

            Através do Decreto nº 46.292 de 16 de maio de 1966, o Governador do Estado Dr. Adhemar Pereira de Barros autoriza o sepultamento dos despojos do escoteiro Aldo Chioratto no Monumento ao Soldado Constitucionalista, no Ibirapuera, capital do Estado de São Paulo. O jovem escoteiro é reconhecido pela Sociedade de Veteranos de 32-MMDC como o mais jovem herói da Revolução Constitucionalista e o único menino a ser inumado no mausoléu junto com outros 713 ex-combatentes.

             No dia 9 de agosto de 1982, nas comemorações dos cinquenta anos da revolução, foi realizada no “Salão 31 de Março” da Câmara Municipal de São Paulo uma homenagem aos antigos escoteiros cuidadosamente pesquisados pela Sociedade de Veteranos de 32-MMDC que se destacaram sobremaneira nos combatesm sendo condecorados quatorze pessoas com a Medalha de Valor – Grau Prata, pela Diretoria Regional em emocionante cerimônia.

            Também no cinquentenário da morte de Aldo Chioratto, em 18 de setembro de 1982 foi realizada uma cerimônia religiosa na cripta do mausoléu em homenagem a todos os escoteiros que prestaram seus serviços à causa revolucionária, sendo entregues a seguir 79 Medalhas de Bons Serviços, 6 Diplomas de Mérito Regional e 4 Medalhas de Gratidão Ouro aos antigos escoteiros ainda vivos e já com os cabelos grisalhos, mas cheios de ideal e amor ao movimento escoteiro. Para encerrar os eventos, foi descerrada uma placa e inaugurada a “Praça Escoteiro Aldo Chioratto” nas imediações do grande monumento.

            No ano do centenário do escotismo paulista, a Polícia Militar do Estado de São Paulo e a Sociedade de Veteranos de 32-MMDC, pela primeira vez transferiu por um ano o “Comando Honorário do Exército Constitucionalista” para o Diretor Presidente da UEB/SP Antonio Lívio Abraços Jorge nas comemorações de 82 anos da Revolução ocorridas na Academia de Polícia Militar do Barro Branco em 9 de julho de 2014.

Os Escoteiros e a Revolução de 1932

Um pensamento em “Os Escoteiros e a Revolução de 1932

  1. Pertenci ao movimento como Assistente de Alcateia,durante bons tempos e hoje sou mãe de um Sênior. Minha família sempre esteve engajada no movimento. Fiquei muito emocionada e honrada com o artigo. Ainda mais por ser Pedagoga e Professora de História. “UMA VEZ ESCOEIRO,SEMPRE ESCOTEIRO”. SAPS.

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